“Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça. Pois a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”. João 1:17-18
Estava caminhando pelas ruas do centro do Recife num dia desses de sol abrasador, quando, entre uma coisa e outra, lembrei-me de visitar meu amigo Bernardo Alves; escritor, que mantém uma loja de discos raros (vinis ainda) há mais de 25 anos. Entende tudo de música popular. Fazia tempo que não nos encontrávamos. A última vez que estive em sua loja, fui recebido por sua esposa Margarida, a qual me confidenciou que o velho amigo estava hospitalizado com problema de leucemia. Mas isso faz mais de um ano.
Na época, fiquei muito preocupado, e prometi a senhora sua esposa que iria visitá-lo e encorajá-lo com palavras de ânimo. Porém, o ser humano é muito falho e muitas vezes não consegue cumprir a palavra nem em situações emergenciais.
Confesso que fui me dirigindo à loja, arquitetando alguma desculpa para dar ao querido amigo. Chegando lá, deparei-me mais uma vez com dona Margarida, para surpresa minha; e a notícia triste de que Bernardo havia morrido.
Minha voz embargou. Fiquei com as palavras presas na garganta. Olhei para um lado e outro da loja e pouco a pouco as lágrimas iam escapando dos meus olhos. Lembro-me de que só tive forças para me sentar numa cadeira encostada ao lado.
Minha grande dor foi imaginar que o nobre companheiro havia partido desse mundo sem a salvação em Cristo Jesus. Depois de algum tempo, a viúva me confidenciou os últimos momentos de Bernardo aqui nesse mundo: “Era o dia 14 de agosto de 2004.
Bernardo completara 50 anos em março daquele mesmo ano. Ele estava lúcido, embora soubesse que a leucemia já havia tomado 80% do seu corpo. Deitado numa cama do hospital, rodeado pela mãe e irmã (evangélicas) e por mim, um pouco mais distante. A mãe, durante todo o tempo, sempre havia falado que DEUS tinha um plano de salvação para a vida dele. Bernardo nunca quis acreditar. Dizia que ‘entregar a vida a Jesus era conversa fiada de crente’.
Naquele mesmo dia, orações voltaram a ser realizadas pela mãe e irmã. Num breve instante em que ficou só, Bernardo viu uma luz forte aparecer do alto em sua direção. Disse que vira um Homem de vestes brancas lhe aparecer, descendo de uma vereda infinita e rodeado de milhares de anjos. Falou-lhe palavras que só foram ouvidas em seu coração. (Fiquei estatelado com o que dona Margarida me contara).
Quando tudo voltou ao normal, Bernardo chamou a mãe e a irmã e disse-lhes que acabara de ter um encontro com JESUS. E clamava sem parar sobre a cama: ‘Eu vi JESUS! Eu vi JESUS! E ELE falou comigo’. Também confirmou que tudo o que elas lhe dissera ao longo de sua vida era verdadeiro e imprescindível para o homem herdar o reino de Deus. Em seguida, chamou a mim, como quem se despedisse, fechou os olhos e em seguida partiu. Partiu para se encontrar com DEUS”.
Agora a minha tristeza humana se convertera em alegria espiritual. Saí de lá, afirmando a dona Margarida que um dia ia rever o amigo no reino dos céus. E não só ele, como ela também.
Do que chamamos o plano maravilhoso de DEUS que se cumpriu na vida de Bernardo? De Graça. A Graça de DEUS veio sobre a vida dele em seu último respirar do mesmo jeito como se fez com o ladrão prostrado numa cruz ao lado de JESUS. Ele não merecia, é certo.
Ou você acha que um homem que passou os anos de sua vida negando atender a Voz de DEUS, vivendo em desobediência, merecia ser salvo? Alguns dias depois, concluí que o meu amigo não era merecedor de nada do que DEUS fizera por ele. Nem eu mereço. Ninguém merece… É por isso que Graça é Graça, favor sem merecimento.
Graça é um grande dom que DEUS concede para que o homem alcance a vida eterna. O apóstolo Paulo, um ilustre beneficiado pela Graça de DEUS, escreveu: “pois é pela graça que sois salvos, por meio da fé – e isto não vem de vós, é dom de Deus – não das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:8-9). Ora, mas a Graça de DEUS não desnaturaliza o homem, quando este a recebe, não o torna anjo. O homem, dotado de Graça, continua a caminhar em suas limitações humanas: dúvidas, instabilidades, tropeços, tristezas etc. Da Graça, recebemos a certeza de que não caminhamos mais sozinhos neste mundo repleto de tribulações:
“Ninguém te poderá resistir, todos os dias de tua vida. Como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei nem te desampararei” (Josué 1:5); “Os pobres e necessitados buscam água, mas não há; a sua língua se seca de sede. Mas, eu, o Senhor, os ouvirei; eu, o Deus de Israel, não os desampararei” (Isaías 41:17). Minha afirmação é que a Graça de DEUS não isenta o homem de suas lutas, dos seus dissabores, de suas angústias, de fortes tribulações; antes é uma substância indispensável para o homem enfrentar todos os difíceis desafios desta vida até atingir o desafio maior: o prêmio de salvação da sua alma.
O maior exemplo disso foi o apóstolo Paulo. Ele disse que DEUS o escolheu para ser o enviado da Graça do PAI (antes fora assassino e perseguidor da igreja) para que todos aprendessem o verdadeiro significado e a completa extensão dessa Graça. Que amor incrível! De inimigo para escolhido especial: “pois se nós, quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida” (Romanos 5:10).
Paulo, como homem comum detentor da Graça, suportou situações adversas que nem todo homem suportaria: “Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um (195 chicotadas). Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de assaltantes, (…) em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas exteriores, há o que diariamente pesa sobre mim, o cuidado de todas as igrejas” (2 Coríntios 11:24-28).
O que você acha? Paulo sofreu pouco, mesmo sendo herdeiro da Graça de DEUS? Na prisão, ele escreveu duas cartas para o amigo Timóteo, onde, em uma delas, deixa-se revelar um pouco do seu desespero humano: “Procura vir ter comigo depressa. Porque Demas me abandonou, amando o presente século (…). Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males (…). Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam (…)” (2 Timóteo 4:9,10,14 e 16). Imagino hoje quão grandes foram a angústia e a tristeza sentidas pelo apóstolo ao escrever essa epístola a um amigo distante…
Entretanto, no momento de maior desespero, DEUS coloca amigos em nossos caminhos, providência de Sua Graça, para nos consolar. No versículo 11 do mesmo capítulo, Paulo afirma: “Só Lucas está comigo. Toma a Marcos e traze-o contigo, porque me é muito útil para o ministério”. Nossos amigos também são providências da Graça de DEUS. Em Provérbios 18:24 está escrito: “O homem que tem muitos amigos pode vir à ruína, mas há um amigo mais chegado do que um irmão”.
Um detalhe importante: a Graça de DEUS não é apenas redentora; é também consoladora. Não se manifesta somente no plano da abstração; mas se materializa na companhia de nossos amigos (pessoas falhas e limitadas como nós) para nos socorrer em horas de profundo desespero. Quantos de nós, pela Graça de DEUS, dispomos de “um Lucas” em momentos difíceis em nossa vida? Mas estes amigos ora trazem alegria, ora proporcionam tristeza.
Por isso, DEUS nos presenteia com a plenitude de Sua Graça, um Amigo que nunca nos desampara. ELE é o nosso Amigo Perfeito e Fiel de todas as horas; infalível; cujo Nome está acima de todos os nomes: JESUS. Foi este Meu e Nosso Amigo quem socorreu Paulo na prisão: “mas o Senhor me assistiu e me fortaleceu para que por mim fosse cumprida a pregação, e a ouvissem todos os gentios; e fiquei livre da boca do leão. E o Senhor me livrará de toda má obra, e me levará para o reino celestial (…)” (2 Timóteo 4:17-18). Foi este Meu e Nosso Amigo quem apareceu particularmente para Bernardo em seus últimos instantes de vida e sobre ele derramou a Graça de Salvação.
JESUS morreu na cruz, sofreu a maior humilhação que se tem notícia na História da humanidade, sem culpa, sem pecado algum, para que através do Seu sangue, hoje tivéssemos vida: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida pelos seus amigos. Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando” (João 15:13-14).
Isto é que é Graça! A Graça que não nos torna anjos (nem nos isenta dos dissabores da vida); mas que nos presenteia com grandes amigos. A Graça que nos dá garantia de vitória e de morada eterna. Com ela, somos mais que vencedores. E o melhor: prosseguimos com nossa humanidade imperfeita; e DEUS, Pleno, Gracioso e Maravilhoso, continua a ser sempre o mesmo DEUS…
FERNANDO CÉSAR – Escritor, autor dos livros “Não Mude de religião: mude de vida!”, “Pódio da Graça” e “Antes que a Luz do Sol escureça”. Também é líder do Ministério Interdenominacional Recuperando Famílias para Cristo.
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